quinta-feira, dezembro 22, 2005

a máquina do sonho


“Perspicácia”, de 1936, de René Magritte (1898-1967): Delírio Surrealista e pensamentomágico











A máquina do sonho


[este texto foi escrito inspirado na escrita automática dos Surrealistas e no método de (não) reconhecer as horas pelos aborígines da ilha Aran]

Entre a loucura e a normalidade – Há anos freqüentava o consultório do psicólogo sem conseguir identificar a menor partícula de seu eu. Um dia, falando coisas desconexas, disse que dirigia um carro e... seu terapeuta interrompeu-lhe a fala – antes que seu discurso se perdesse no vazio abstrato das palavras e outro raciocínio incompleto trouxesse novas imagens soltas – para estimulá-lo a falar desta experiência de conduzir, dirigir, guiar, levar em frente algo em sua vida.
Aquilo poderia ser o início da construção de uma identidade há muito perdida, onde o dirigir um carro tinha a ver com a própria condução da vida. Em que vários mecanismos de atenção são acionados para se cumprir uma tarefa. A partir de um pequeno estímulo, talvez fosse possível encontrar a chave para que seu paciente começasse a pensar em si como algo íntegro, cumprindo várias funções, em razão de algum movimento que tivesse sentido e direção.
Se uma pessoa acredita que foi D. João VI, Napoleão, ou se é capaz de descrever cenas que diz ter vivido em outras vidas, ou inventa qualquer fantasia que lhe venha à cabeça, por que deveríamos querer encaixar em rótulos de normalidade e sanidade mental o seu delírio? Para nos sentirmos normais em relação ao outro? Ou porque não conseguimos acolher o que ainda resta de vivo e não formatado, nem padronizado, naquilo que nos é sinalizado? Não estaria aí a chance de ampliar nossa humanidade ao tentar compreender o ponto de vista do outro?
Caos e criação – Vivemos em uma época em que se espera pelo novo o tempo todo. Mas essa novidade só é aceita imediatamente quando proveniente de uma ordem racional e evolutiva. Quando a novidade suspende nossas certezas e convicções é logo tachada de absurdo ou loucura. O Caos sempre ofereceu material de sobra para as mais diferentes formas de expressão humana. Para os poetas, pintores, músicos, artistas em geral, profetas, videntes e místicos, o caminho que vai do caos à ordem e da ordem ao caos sempre foi marcado com os evidentes traços da loucura e do delírio, sem jamais deixar que a ordem e a razão determinem o fluxo do inexorável, que faz parte da vida, assim como o acaso, as intuições, as premonições e as sensações. Afinal, tudo é parte de um mesmo ciclo cósmico, da mesma unidade.
Às vezes, é justamente no estado de delírio, simplesmente movido por uma inquietação ou desejo interno incapaz de ser explicado, que nos tornamos mais fecundos, a ponto de parir, deste estado, uma obra, uma nação, uma cultura, ou uma identidade pessoal estruturada e consciente de nossa presença neste mundo.
Essa, talvez, nossa maior missão no planeta. Ainda que, para quem nem ao menosconsegue executar uma tarefa simples, como se comunicar, vislumbrar-se em uma cena dirigindo um carro, passa a ser a possibilidade da conquista de um movimento, ainda que mínimo. E, deixar de avançar nesse momento – ainda que imersos no sono da inconsistência ignorante dos nossos gestos, pensamentos, atos e reflexões – seria como permitir que o tempo aprisionasse nossos desejos de transformação, fazendo de um movimento nascente algo repetitivo, autômato e mecânico e não uma qualidade a ser apreciada como poesia inserida no dia-a-dia. Até porque, em que outro lugar estaria a arte, senão na carne da matéria?

quarta-feira, dezembro 21, 2005










Escultura de Henri Moore, em que os espaços vazios significam tanto quanto a forma aparente


O sentido sentido



“Se eu quisesse fazer sentido eu entrava para o exército”
Carlos Zago

Um carro passa, iluminando o asfalto de verde e sua presença se desfaz no instante seguinte. Rastros que se apagam imediatamente depois de sua aparição.
Sombras evoluem pelo espaço até pintar uma superfície qualquer, como uma parede, levitando no ar, em uma dança que revela sua ausência material. O negativo se revela pelo contrário do que aparenta, o vazio pelas bordas do objeto que o compreende. “O silêncio é o começo do papo”.
Pode-se explicar tudo, mas a explicação é somente uma parte da linguagem. Há outras, principalmente porque o discurso verbal é de ordem lógica e há percepções que não precisam de explicação para existir, mas convivemos com elas cotidianamente, como a intuição, o acaso, as sensações advindas do inconsciente e outras, pertencentes às chamadas ciências ocultas, ao universo da arte, etc. Mas a palavra na poesia foge a essa classificação, porque o discurso poético não pertence simplesmente à ordem lógica do raciocínio linear, ele é trans-verbal, está além do texto, além da simples informação e da comunicação como forma de conhecimento. Uma de suas materializações se dá, justamente, pelo uso de metáforas e formas que, ao falar de algo, podem dizer sobre várias outras coisas, também, simultaneamente.
E entre aquilo que nos escapa e aquilo que capturamos, está o tempo. Segundo a teoria da relatividade, podemos retornar ao passado, mas não nos adiantar ao futuro. Podemos até recuperar alguma memória ancestral, mas para predizer o futuro, como um profeta, só tateando as bordas escuras do desconhecido.
Não é à toa que é Tirésias, um cego, quem anuncia a tragédia que irá se desenrolar a partir do nascimento do filho do rei de Tebas, Édipo. Só um cego pelo vão das horas, por onde o tempo escoa.
As revelações, muitas vezes, surgem muito mais por aquilo que não é dito, do que pelo que é confessado. Escondendo ou tentando esconder algo, somos levados a sondar indícios e a fazer relações entre as coisas e seu significado, como ler sombras ou na aparição passageira de um carro sobre o asfalto. Somos tentados a “ler” o entorno do vazio, a descobrir a frase que ficou por dizer a partir daquilo que nos foge.
Voltando para a teoria da relatividade e avançando no caminho da subjetividade, para além da ordem racional e determinista, podemos pensar em um tempo “retardado”, mas não em um tempo “adiantado”, a não ser quando o assunto é da ordem da poética, ou a “suspensão” do tempo cronologicamente marcado, quando entramos em êxtase ou embarcamos em algum transe religioso ou quando esse êxtase é causado por alucinógenos. Aí tudo é sentido, até o sem sentido. E a noção de tempo e espaço se amplifica ou encolhe, como no livro “Alice no país das maravilhas”, do outro lado do espelho.
O tempo só é impossível mesmo parado. E assim mesmo, pode ser “congelado”, fotografado, condensado em uma imagem, em um poema, em um hai ku, em que tempo e ação se abrem em imagens que muito “dizem”, sinteticamente, em quantidade mínima de palavras. “O silêncio é grávido de sons”.
Pensar em que depois disso? Há coisas que não precisam de explicação, atravessam nossos sentidos e tudo o que persiste é apenas uma sensação que logo se evapora para que outra e mais outra sucedam enquanto um carro atravessa o asfalto, a sombra dança, o cabelo cresce, uma árvore dá frutos, etc. sem ter que explicar porque existem e, como tudo, passam.

terça-feira, dezembro 20, 2005


“In Absentia M.D.”, de Regina Silveira: trabalho em que se vê a sombra projetada do trabalho de outro artista e o pedestal nu.










Gênios do lugar-comum


Pressão criativa e lugar-comum – Em uma entrevista realizada alguns anos de falecer, o compositor Tom Jobim disse que a encomenda era uma excelente musa, referindo-se ao fato de ter de trabalhar sob a pressão de um prazo, para determinado fim – uma propaganda comercial, por exemplo. Coisa que, a principio, parece tão distante do que esperamos que venha a ser a arte. Principalmente quando se fala em um autor do quilate de um Tom Jobim.
“Chavão abre porta grande”, já cantou Itamar Assumpção. Ou seja, às vezes, usar um chavão, fazer parte do senso comum, viver um padrão estabelecido, pode ser, também, algo com alguma serventia para a criação artística. Mesmo parecendo um contra-senso, já que na cabeça da maioria das pessoas, arte e originalidade, ou arte e genialidade são quase sinônimos, como se o talento criativo estivesse em uma ordem superior do mundo. Mas nem sempre é assim. Ou, quase nunca é assim.
O rastro antes do passo – O fato é que ninguém cria do nada. Ninguém inventa algo novo e original sem que haja condições sociais e produtivas para que essa criação venha à luz. Talvez seja mais fácil dizer que as coisas querem ser criadas, inventadas, do que pensar que alguma coisa nova e diferente nasceu da cabeça de algum gênio inspirado.
Melhor imaginar que tudo o que existe já existiu, em outro tempo e dimensão do espaço. E tudo o que temos a fazer é seguir as linhas do já está escrito. Como se nossos passos já tivessem deixado rastros atrás de si antes de termos andado naquele caminho. Mesmo que nos recusemos a caminhar, ou que nos rebelemos contra o que já está escrito. Como já refletiu o poeta e filósofo Hölderlin, há mais de dois séculos atrás: “os filhos inventam os pais”.
Questão cultural – O plágio, a cópia, a citação e a referência estão sempre à mão para serem usados, manipulados. Vivemos na época onde muita coisa já existe. E tudo em excesso. Então, combinar uma coisa à outra, muitas vezes em relações insólitas, a princípio, pode ser muito mais interessante que tentar “reinventar a roda”. Ou, reinventar a roda sobre o banquinho, como já fez Duchamp, no começo da arte do século 20.
No livro e no filme “A Sociedade do Espetáculo”, seu autor, Guy Debord, coloca que “o plágio é necessário. O progresso supõe o plágio. Ele se achega à frase de um autor, serve-se de suas expressões, apaga uma idéia errônea, a substitui pela idéia correta.”
Não é à toa que a cultura do RAP se apropria do que já foi gravado e remixa sons e imagens de autores diversos, criando algo ao mesmo tempo familiar e estranho. Novo e usado. Melhor, ousado, porque embaralha as cartas do que é registro de patentes e direitos autorais. Agora, com a internet, onde uma montanha de informações está disponibilizada, então, nem se fale!
O roubo como arte – Em outra entrevista, desta vez entre o jornalista Nelson Sato da Folha de Londrina e o cantor e compositor João Donato, este lançou pérolas de lugar-comum sobre criação e invenção na música que deixaria qualquer purista corado de vergonha. Falando sobre uma música sua que Caetano Veloso usou, colocando-lhe letra, mas sem lhe dar os devidos créditos, Donato, ao invés de se passar por indignado, disse que isso era comum acontecer. Explicou que Nana Caymmi, filha de Dorival Caymmi, um dia perguntou ao pai se tal música tinha sido composta por ele e o músico baiano simplesmente respondeu que não, mas que assumia a obra. Ainda nessa entrevista com Donato, foi dito que uma vez ele ligou para o maestro Tom Jobim perguntando o que ele estava compondo no momento e o gênio teria simplesmente respondido: roubando algumas melodias. Como desfecho dessa deliciosa entrevista, Donato resume que “o artista jovem copia, o artista maduro rouba”.
Bem, depois que as próprias pessoas que consideramos gênios dizem esse tipo de coisa, parece que a culpa por não ter originalidade nenhuma vai embora e o que fica é o sabor de apreciar algo que está ao alcance de todos, independente de anjos, inspiração divina ou seja lá o que for. E que a pressão, o plágio, a encomenda e o roubo podem até tornar-se trabalhos bastante criativos, também.

rubenssa@hotmail.com

terça-feira, dezembro 13, 2005









Intervenção sobre foto (2002-2005)



Para fazer a dança da chuva

Quem não se lembra em filme de mocinho e bandido, que o índio era sempre amigo do vilão da história? Cena clássica de faroeste: um índio com penacho e roupa de franja, manga comprida, com rifle na mão, despencando de uma fachada de madeira, à frente da câmera. E dança da chuva, então? Dizem que faziam chover? Hoje, ninguém mais acredita. Nem eles, indígenas. Mas, loucura ou não, pensar nisto pode levar a conclusões não tão absurdas para os dias absurdos que hoje vivemos. Porque o equilíbrio ambiental é tão frágil que uma simples movimentação e vibração a mais nos átomos em nosso entorno podem mudar a configuração de toda a camada cósmica. Com a industrialização, com o desprezo pela natureza, a indiferença em face à fome dos miseráveis, com a crescente poluição, corrupção, etc. isso parece improvável e até ridículo de ser pensado.

Parece coisa de maluco, mas pensar em “dança da chuva” – aquela brincadeirinha que fazíamos quando criança, girando em torno do fogo, com as mãos na boca fazendo uh, uh, uh – em tempos de ALCA, Nafta, guerra imperialista, etc. é, também, questionar toda a colonização, produtos enlatados e a lavagem cerebral imposta como “cultura”, para reafirmar, mais uma vez que, enquanto houver resistência haverá quem ouse fazer a Dança da Chuva. I´m singing and dancing for the rain!
A chuva e a dança lembram outro personagem, o xamã - aquele que transita entre o mundo dos mortos trazendo mensagens aos vivos – que é o feiticeiro, o pajé, o curandeiro, o “padre”, o “médico” da tribo. Com a intervenção da cultura do branco sobre a cultura do índio, esse equilíbrio instável também não resistiu. E mesmo os índios já preferem tomar um remédio para aliviar dor no estômago do que confiar na sabedoria do pajé. Enquanto isso, nos laboratórios multinacionais, os segredos das ervas e plantas são clonados e patenteados sem que seus verdadeiros descobridores tenham qualquer possibilidade de acesso aos dividendos dessas “pesquisas”.

Voltando, o que é uma mentira? Para que ela serve? Serve para enganar os outros. Para levar vantagem sobre alguém. Para obter lucros e dividendos. Antes não havia mentira entre os índios porque não havia interesses comerciais entre eles. Ninguém precisava levar vantagem sobre ninguém porque não havia o conceito de propriedade. Lendas ancestrais não são mentiras, fazem parte do mito. É outra coisa. Então, quando um xamã promovia a dança da chuva, um ritual de cura, um pedido de ajuda aos deuses para encontrar alimentos, por exemplo, aquilo era uma verdade para toda a tribo, para toda a comunidade. Não existia a desconfiança, a mentira não fazia sentido. Mas à medida que os povos indígenas foram entrando em contato com os brancos e sendo enganados, e suas terras tomadas, então uma enorme dúvida se instalou no meio deles. E o que era pureza se transformou em ingenuidade e ingenuidade em um mal a ser evitado. É engraçado, nas tribos, ser um “padre” é sinal de poder e qualquer um pode sê-lo, desde que conte uma história mirabolante de como lhe aconteceu de se tornar um “vidente”. Com sua fértil imaginação e com a possibilidade de se tornar importante, rapidamente os mais espertos se colocam à disposição para curar outros membros da tribo. E até para brancos eles fazem rezas. Ganham sempre um presente por isso.
A arte de enganar (e de se enganar) é o motor que move o que comumente chamamos de arte. Não há um índio na foto, há uma representação. Não é uma pessoa: é papel e tinta. Não é um rosto: é uma máscara. No entanto, ela nos desperta a imaginação. Mexe com a nossa curiosidade. Toca nosso sentimento. Já disse Pessoa que “o poeta é um fingidor”.
E o vilão do cinema “hollywoodiano”, aquele índio “de araque”, já nem existe mais. Hoje ele se veste de John Wayne, no feriado do “dia dos índios” e se entrega à festa do “peão boiadeiro”, debaixo de muito funk. Mas em algum lugar, pode ter certeza, alguém deve estar plantado dúvidas no solo onde a certeza absoluta é a verdade imposta. Chova ou faça sol.

pileggisa@hotmail.com

domingo, dezembro 11, 2005

“Star Gazing”, de 2004. Obra do artista alemão Hans Haacke: forte conteúdo crítico e político
















Arte e política
Rubens Pileggi Sá

Um chavão: “a arte não muda a realidade. Quem muda a realidade são os homens. A arte muda os homens”. Embora fosse adorável que a arte mudasse a realidade social e econômica, acabasse com as injustiças e eliminasse a miséria, qualquer artista que se pretender a isso fará de seu trabalho uma sopa rala e sua pessoa cairá no ridículo de uma delirante utopia.
Duchamp nunca se meteu em política. O trabalho dele colaborou, de certa forma, a pensarmos diferente sobre qual era o assunto da arte. Abriu olhos e mentes para uma questão que, até então, ninguém havia elaborado. O que dizer de da Vinci, então? Projetava armas de guerra a qual governo lhe pagasse a sobrevivência, ao mesmo tempo em que é um dos grandes expoentes do espírito humanista de sua época. Nunca parou para fazer “arte para os pobres”, que eu saiba. Mas, a partir de artistas como da Vinci e Duchamp (para não falar em centenas, talvez milhares de outros) o mundo nunca mais foi o mesmo. Ou melhor, nunca mais foi visto do mesmo modo. Ou, pensado.
Não que tenha melhorado, sejamos realistas, mas ai daquele incapaz de se deixar tocar pela estética, daquele que for insensível à beleza. Daquele que é indiferente à existência do arco-íris (e saber que o mundo está cheio deles!). “Eles passarão/ eu passarinho”, já disse o poeta Quintana.
Aliás, sobre movimentos artísticos que se queiram ideológicos, devemos ao Futurismo italiano do começo do século passado – a Marinetti e sua turma – muitas das inovações no campo da arte. Mesmo que esse movimento fosse de cunho nitidamente fascista. Também o poeta Ezra Pound foi seduzido pela magia do “duce” Mussolini. E o filósofo alemão Martin Heidegger foi elevado ao posto de reitor em uma universidade, à época da ascensão do nazismo. E o artista Beuys serviu ao exército alemão na Segunda Guerra.
Mas seria um canalha aquele que não visse na obra desses homens o que de mais profundo pode brotar da consciência humana, ainda que tenham feito escolhas políticas completamente equivocadas para quem as analisa hoje, à distância.
É preciso que se diga que foram pessoas de “esquerda” – como os poetas concretistas – que viram o que havia de revolucionário na obra desses artistas de “direita”: era a linguagem que usavam em seus trabalhos. Inovações no campo estético que, aparentemente, não serviam (e não servem) para uso político. Mas isso determinou uma mudança tão radical de sentido, que é preciso considerar tal fato antes de jogarmos todos à fogueira da inquisição por não terem sido “politicamente corretos”.
Quando o assunto é arte e política, a polêmica se instaura, mas – quer queira ou não – a própria atividade artística é revolucionária, em si. Não há nada mais perigoso do que alguém que é livre!
E para o artista que deseja realizar qualquer obra que tenha consistência, é preciso, em primeiro lugar, se desapegar de rótulos, tendências da moda, ou engajamento militante, porque essas coisas engessam a consciência e os dogmas impedem os questionamentos, quando as verdades estão cristalizadas. O que não impede ninguém de ter crenças políticas. Lutar por causas claramente justas, etc.
Arte e política deveriam formar um par ideal, mas a tendência desse casamento é se tornar problemático demais para dar certo, principalmente quando a causa é partidária ou classista. A arte, ao tentar ser direcionada, torna-se chata, fraca, “denuncista”, linear. E a política vai querer manipular a arte. E a arte não serve para cumprir essa função.
Arte política é não só possível, como necessária. Mas é bom ter sempre em mente uma bela (!) frase atribuída a Buda: “minha doutrina é para pessoas inteligentes”. O resto, ou é lavagem cerebral ou é panfletagem, tentativa de se aparecer, ainda que seja por justa causa. Melhor, no caso, ouvir Belchior: “enquanto houver espaço/ tempo/ e algum modo de dizer não/ eu canto”.

pileggisa@hotmail.com