segunda-feira, abril 10, 2006

MISS PIMACO





Fotos: Ana Carolina Lucca

Miss Pimaco

“Por mais que eu ande
Nada em mim imagina
O que é que tal menina
Tão pequena está fazendo
Em uma cidade tão grande”
Paulo Leminski

Estive em São Paulo, semana retrasada e, como sempre, fui atrás das exposições de arte, em cartaz. Vi a Lygia Clark na Pinacoteca do Estado, uma coletiva na Galeria mariAntonia, mas nada realmente mexeu mais comigo do que essa colagem, que me pegou de surpresa, quando eu entrei na rua Aurora, vindo da av. São João.
Quem conhece a região sabe que ali é lugar de prostituição, das casas de striptease, dos cinemas de filmes pornôs, das bancas de revistas e vídeos de sacanagem e que não há nem um orelhão telefônico na região que não esteja totalmente impregnado com adesivos de prestação de serviços sexuais, oferecendo desde garotas virgens até sexo bizarro, ao gosto do freguês.
Esses adesivos são comprados por folhas, subdivididas e cortadas, para que a pessoa possa imprimir o que quiser e colar em diferentes superfícies. Uma das empresas que vendem essas folhas chama-se Pimaco. Qualquer um pode comprar na papelaria, a folha de papel adesivo Pimaco. E imprimir uma mensagem na impressora de um cyber qualquer. E sair colando anúncios por aí. É o que fazem os que oferecem programas de sexo na região da São João.
E foi lá que eu encontrei Miss Pimaco – a mais bela de todas elas! Ainda estava úmida a cola de farinha que usaram para pregar o cartaz. Sua viscosidade assemelhando a esperma. Não me liguei na hora, estava distraído. Um passo depois de passar o cartaz, quando ela mexeu comigo, como se piscasse, me chamando para um programa, aí sim, percebi. Feita com tinta spray, o desenho de uma mulher tipo sereia, sobre uma camada de pelo menos um milhar de adesivos Pimaco (p.s. : Pimaco não paga merchandising por esse texto), roubava-me a atenção.
Sobre seus olhos uma tira negra, como se ela fosse alguém, menor de idade, envolvida com a policia, cuja identidade fosse preciso preservar. Uma faixa dourada cobria-lhe de glamour, no entanto, onde se lia: Miss Pimaco.
Miss Pimaco são as putinhas que enfeitam o imaginário de todo homem; as fodidas sem saída no mundo cão; as imigrantes que chegam à Sampa querendo ser alguém e acabam se obrigando a fazer michês; as fodonas que aprontam sabe-se lá o quê; as loucas do sexo bizarro; as strip-girls da região da São João, que sobrevivem mexendo com a fantasia dos homens; as que ficam doentes, também, e a gente nem sabe. A que me fez chorar de emoção.
Para arrematar, um poema do genial Leminski, compunha, com o restante da colagem, uma delicada forma de arte mural, onde tudo parecia obedecer a um deus caprichoso, fazendo do precário, o durável; do bruto, o delicado; tirando força da fragilidade; da aridez, um oásis; da passagem, a continuidade.
Tudo o que se deseja de algo que possa ser denominado de Arte de Rua – que é quase sinônimo de transgressão – é que ela se volte para o entendimento da massa e para o coração das pessoas, sem o peso institucional a lhe sustentar qualquer estatuto ou proteção. Ao contrário, qual é o tempo de exposição de um grafite, de uma pixação, de um cartaz colado na parede de algum lugar? E, ainda mais quando o que se vê só poderia ser visto naquele momento, naquele lugar. E não em outro. Um site-specific (local específico) que se alonga: o lugar está na pessoa, mesmo que a pessoa não esteja mais no lugar.
E foi ali, na rua Aurora, em uma tarde qualquer, mas especial, porque aberta à emoção do instante, que Miss Pimaco – a jovem que ganhou vida nas mãos de alguém que assina Spray Poético - SP, identificando seu(s) autor(es) – levou-me às nuvens. Em meio ao concreto irremediável de vidas que batalham um lugar no mundo. Depois que já tinha desistido de procurar pela Arte.