quinta-feira, maio 24, 2007

Tempo quente




Plantação de árvores, de "7000 oaks", de Joseph Beuys: projeto iniciado em 1982 e completado postumamente, em 1987.



Um paradoxo
Enquanto aguardava a fila do caixa do supermercado, uma senhora, se abanando com uma folha de papelão, olhou-me desconsolada e disse que o calor estava demais. Vi todo o aparato funcionando à nossa volta – iluminação, ar condicionado, ventiladores, motores elétricos – e fiquei pensando que aquilo gastava grande quantidade de energia, fazendo aquecer ainda mais o planeta e obrigando, por sua vez, o aumento do consumo de energia para o funcionamento de ar-condicionados, refrigeradores e ventiladores...

Deter o consumo, não a redução de danos
Os fabricantes têm se esmerando em produzir novos modelos de aparelhos eletrônicos que gastem menos energia, ou de carros e meios de transporte que gastem menos combustíveis. Mas como estamos nas mãos do mercado e da mídia que depende das aplicações financeiras para se manterem, ninguém faz nada para conter o consumo de produtos. Como alternativa inventam o eco-dólar para continuarem ganhando sobre a destruição que eles mesmos produziram. Investem na redução de danos, criando marketing ecológico e vendendo novos modelos de marcas embalados em roupagens politicamente correta. Dizem que o guru da Nova Era é o ex vice-presidente dos E.U.A. que quer salvar o mundo do Efeito Estufa – nosso mais recente vilão. E que vai fazer shows com artistas de vários países, pela salvação do planeta: "Você investe em nosso banco e quem ganha é a natureza!". Melhor fazer poesia: "silêncio/ economia de palavras/ também é ecologia"

Arte: decorativa ou combativa?
A arte é sempre vista como a cereja que decora o sorvete que os outros tomam. Pelo menos assim é que a maioria das pessoas pensam ou a vêem. Como algo decorativo, fantasioso. Alegórico, mais precisamente. Ou seja, ela é admirada até o ponto em que não toca as questões que a vida propõe. E, ao permitir que ela seja rotulada como inocente diante da radical transformação que a sociedade está passando e continuará a passar ainda, por certo período histórico, deixamos cristalizar essa impressão de impotência, como se isso ajudasse a salvar nossa própria pele. E não é questão de denúncia ou citação, que é o que de mais alegórico pode haver, mas de interferir na própria carne da vida, muitas vezes sendo obrigado a tomar medidas drásticas para continuarmos vivos.

Se, por um lado, a luta de massas parece não conter mais aquele grau de viabilidade que um dia parecia conter, por outro lado, uma política que leve em consideração a "microfísica do poder", para poder se expandir, deve ter em mente uma mínima organização entre suas partes. Ainda que seja entre duas pessoas. E os artistas – e a arte, em geral – são os mais aptos a enfrentarem essa situação, uma vez que o anarquismo de suas proposições os levam a desenvolver o sentimento e a subjetividade como suas mais potentes armas.

Entre o posicionamento político, a reflexão filosófica e a ação prática artística, o planeta derrete de quente e aumenta a energia gasta para suportar o calor, cada vez maior. Uma vez que o uso das tecnologias não garante a sobrevivência do ser humano no planeta, o ideal seria repensar nossas necessidades diante do caos que insiste em nos apavorar. Ou alguém acredita que as enormes despesas gastas com o estudo genético, a criação de célula-tronco para reproduzir neurônios, ou o último modelo de celular - feito de algum material ecologicamente correto – servirá para acabar com a fome e a miséria da população inteira do planeta? Quando se fala em inclusão digital, será que conseguiremos construir 2 ou 3 bilhões de computadores para distribuir pelo mundo? Será que temos tantas reservas de matéria-prima assim, ainda, nos chamados países emergentes? E quem é que vai ganhar com isso?

Alguns artistas investem no efeito que o uso de novos programas em computador são capazes de oferecer, simplesmente pelo direito que têm em experimentar as novas ferramentas disponíveis no mercado. Ninguém tem o direito de condenar esse uso. Mas se sua arte não é capaz de ir além do mero jogo de formas e efeitos pirotécnicos. Se ela não é embasada por uma idéia capaz de provocar o espectador para além da sedução e da hipnose que o uso da máquina pode proporcionar, então sua arte está condenada ao mesmo paradoxo do ar-condicionado que aquela senhora que reclamava do calor, me fez pensar.