terça-feira, setembro 26, 2006

Arte política



















”Cowboy com chapéu”, de 1990. Trabalhos de Hans Haacke questionam a relação que envolve os patrocínios culturais.

ARTE POLÍTICA
Ações concretas
A arte mais contundente nem sempre está a favor do discurso do poder. Ao contrário, a arte que possui espírito crítico deve se valer de sua posição diante da realidade dos fatos, propondo caminhos de atuação. Foi assim com o "Construtivismo Russo", inserido em uma realidade concreta revolucionária. Foi assim também com o expressionismo alemão. E foi esse o tema que John Heartfield usou para suas fotomontagens contra Hitler e o Nazismo. Mudando inclusive seu nome, alemão, para o inglês, como provocação ao III Reich.
Ou como a Bauhaus, uma escola de design, arquitetura e artes plásticas de vanguarda
que funcionou entre 1919 e 1933 na Alemanha, com uma proposta de "arte industrial para as massas". Quase cem anos depois, as estéticas promovidas por esses artistas e movimentos continuam faróis que se miram à distância, como referência artística, ainda que se questione a ideologia que as originou.

Dois exemplos
Quando o assunto é arte política, dois nomes, com certeza, irão se destacar da lista. São eles o brasileiro Cildo Meireles e o alemão Hans Haacke. Cildo, na década de setenta, colava adesivos de protesto em garrafas de coca-cola, chamado esse trabalho de "inserções em circuitos ideológicos". Recentemente recusou-se a participar da Bienal de São Paulo, que ocorrerá este ano, em protesto à permanência de um banqueiro envolvido em fraudes, no Conselho Deliberativo da entidade. Dessa forma, Cildo conseguiu várias monções de apoio e solidariedade à sua atitude, que ganhou visibilidade. E, mesmo que não tenha sido um gesto para se transformar em uma “arte política”, não deixa de ser relevante que o banqueiro, por fim, tenha sido exonerado do cargo.
Haacke vai por essa mesma linha. Convidado a fazer uma mostra de seus trabalhos, juntou processos, documentos e fotos de uma pesquisa sobre os negócios imobiliários de um dos diretores do museu em que iria expor e fez disso seu “trabalho de arte”. Foi recusado semanas antes da abertura do evento, sob alegação de que aquilo que mostrava "não era arte", mas "uma crítica social específica". O fato ganhou repercussão e conseguiu chamar mais atenção por não ter sido exposto, do que se tivesse sido.
Em 1990, a companhia tabagista Philips Morris patrocinou uma exposição dos dois maiores nomes do Cubismo – Picasso e Braque – no MOMA, em Nova York, mostrando colagens. Haacke, então refez algumas destas colagens, aparentemente semelhantes aos originais, mas com alguns ingredientes a mais que perturbaram a relação de interesses que a empresa de tabaco mantinha com a instituição de arte. Como referência àquela exposição, colocou cigarros na boca dos personagens. E no lugar dos papéis de jornal originais, colou partes de jornais que falavam da exploração da indústria do cigarro em outros países. O que tornou claro, a partir de então, foi que empresas não patrocinam eventos de arte por pura benevolência, mas para associar sua imagem ao status que a arte costuma carregar em torno de si.

Consciência do contexto
Para esses artistas, nossa iniciativa não deve ser contemplativa, mas de questionamento. Não podemos simplesmente consumir as imagens sem pensar no que elas querem nos mostrar, de fato. Mesmo a mais ingênua pintura de natureza morta tem a nos dizer muito além do que a técnica empregada na sua feitura. Interrogar qual rede de interesses está por trás daquilo que nos mostram, ou que tentam nos esconder, é tomar consciência do contexto em que essa arte busca inserir-se.
Não são apenas dados estéticos que estão em jogo quando a arte se apresenta. Por isso, a arte política é aquela que melhor sabe mobilizar questões como essas, que, em última instância, requerem consciência.


autor: Rubens Pileggi Sá - uso sob critérios de copyleft