quinta-feira, agosto 24, 2006

AGOSTO MORTAL

Agosto mortal


Um personagem romântico pensando na morte:
É um dia frio de agosto, o céu está azul. No rádio toca Raul Seixas, morto em 21 de agosto de 1989, cantando “Canto para minha morte”: “Vou te encontrar vestida de cetim/ pois em qualquer lugar esperas só por mim/ e no teu beijo provar o gosto estranho/ que quero e não desejo, mas tenho que encontrar...” Volta-se à biblioteca e lê, do poeta russo Vladimir Maiakovski (1893-1930) – em tradução do poeta Haroldo de Campos (1929-2003) – a homenagem a Serguéi Iessiênin, seu amigo, também poeta, que se suicidara: “morrer não é difícil / difícil e a vida e seu ofício”.

É agosto. Carlos Drummond de Andrade morreu em agosto. Getúlio Vargas suicidou-se em agosto. Trotski foi assassinado em agosto. Marilyn Monroe. Princesa Diana. E até Elvis – que, dizem, não morreu – morreu em agosto. Muita gente morre em outros meses, mas morrer em agosto tem outro sabor. É o mês da terrível noite de São Bartolomeu, quando foram massacrados mais de 70 mil protestantes na França, em 1572. É um mês feito para se morrer. Pensa em morrer em agosto, também. Pensa que seu pensamento está muito enciclopédico, hoje. Mas nem por isso deixa de pensar na morte: “antes é que se morria”, já sabia o poeta Leminski, morto em 1989.

Filosofia e morte:
As dores, as pestes, as doenças, nos forçam a lutar pela vida. São paradoxos da existência. Dizem: aqui sangra! Mas a morte não ocupa lugar algum. Não fornece pistas. Não emite sinais. Somos impotentes para questioná-la, pois ela não nos dá possibilidades de retorno, chances de acaso, nem consolo de probabilidades. Ela é definitiva. Morrer para ganhar vida eterna. Morrer para ficar para história. Morrer para ficar na memória. Morrer para ser esquecido. Morrer para esquecer. Morrer não é nenhuma glória. Principalmente enquanto se está vivo e se sente morto. Ou se é um morto-vivo, que perdeu a coragem de enfrentar a vida. “A morte não nos concerne”, dizia Epicuro, “quando somos ela não é, e quando ela é, não somos mais”.

“Os mortos governam os vivos”. Essa frase de Oswald de Andrade (1890-1954), de repente, toca o x da questão. E faz lembrar da louca Jardelina da Silva, morta em agosto (também) de 2004, que era “mão de morto”, como ela dizia. Ou seja, tudo o que fazia era comandado – segundo ela – pelos espíritos dos mortos.
Talvez, seja esse sentido de apropriação “espiritual” o que de mais importante podemos considerar na morte: como sendo parte de um ciclo; ponte para passagem de um mundo a outro; movimento necessário à continuidade da existência. “O momento mais escuro da noite anuncia o início da claridade da manhã seguinte”. E a arte a imortalizar esse momento.

A arte eterniza a vida:
O artista Flávio de Carvalho (1889-1973) desenhou sua mãe no momento em que ela morria, captando os últimos suspiros dela nesse planeta, em uma série que se tornou célebre na arte nacional. São desenhos muito rápidos, croquis, mas que emanam essa urgência de registrar a vida em seus estertores. E os retratos de sua mãe entraram para a posteridade...
Sobre a morte, também, há um trabalho extremamente inteligente e delicado feito pela artista Yoko Ono – viúva de John Lennon (1940-1980) – intitulado “Árvores do desejo”, de 1998, realizado no Brasil, em homenagem aos camponeses mortos no dia 09 de agosto (olha aí!) de 1995, no massacre de Corumbiara. Trata-se de vários caixões de defunto cheios de terra, em que se plantou mudas de árvores perfumadas, evidenciando uma metáfora entre morte e renovação.

Esquecendo da vida:
Nosso personagem, então, deixa de lado a biblioteca, passa ao largo do livro “Os sofrimentos do jovem Werther”, do poeta alemão J. Goethe (1749-1832), que se suicida por um amor não correspondido, e aumenta o som do rádio que, neste momento, toca “Fita Amarela”, de Noel Rosa(1910-1937): “Se existisse alma/ se há outra encarnação/ eu queria que uma mulata/ Sapateasse no meu caixão”. Abre a janela, deixa o sol entrar e esquece da vida (e também da morte).

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

concordo plenamente com voce. Mas em mim a morte tem o poder de me dar uma unica certeza nessa vida,de que ela sera o meu fim. é interessante; quando pensamos na morte lembramos da dor ou seja de como ela pode ser carnalmente dolorosa. Hellen susan

8:15 PM  

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