Interpretando a interpretação
“Reprodução proibida” (1937), de René Magritte: entendimento subjetivo de uma mensagem
Laudo técnico – O que está escrito, escrito está. Mas o entendimento do que é lido é o mesmo para mim e para você? Ou devemos entender a leitura do que está escrito sob o prisma de olhares distintos?
Para um texto, digamos, técnico, exato, linear, a compreensão dos códigos de determinada leitura pode ter a mesma finalidade. Por exemplo: um manual que ensine a ligar um aparelho eletrônico. Então para quem lê e quem escreve, quando a tomada é ligada, o que estava escrito provou estar conectado ao real. Mas para um texto poético essa mesma ferramenta de leitura pode não servir. Ou, para ser mais exato em nossa inexatidão: quando o poeta diz lata, pode estar querendo dizer o incontível, canta Gilberto Gil em uma de suas canções.
Voz poética - “No chão minhas palavras florescem. Eu não comando as minhas palavras. Elas que gostam do chão e das coisas desimportantes. As palavras me elaboram”, disse o poeta Manoel de Barros em uma entrevista. Para compreender tal frase é preciso ter o sentido da metáfora e da subjetividade como forma de leitura do mundo, além de saber reconhecer letras e palavras para seguir um sentido exato de instruções de uso.
Jorge Luis Borges, o escritor argentino, dizia que a obra, quanto mais interpretações for capaz de incorporar, mais artística se torna. Defendia a capacidade de cada leitor entender a seu modo o que tinha diante dos olhos. Também o poeta Paulo Leminski, que em um texto do livro Anseios Crípticos, diz que o receptor é criador da obra, também. E que o poeta, o artista, seria uma espécie de provocador dessa re-criação. E era essa a proposta, também, do artista plástico Hélio Oiticica, com seus trabalhos que buscavam a interatividade com o público. Ou seja, no momento em que suas obras eram usadas e vestidas pelo “participante” da performance, antes chamado de espectador.
Real virtual – A interatividade, tão propalada hoje, no mundo virtual, não é a de quem se vê fora daquilo que lhe é dado a ver – ou melhor, sentir. Ou seja, o computador de um lado, o manipulador de “mouse” do outro. Mas a de alguém inserido em um contexto que só passa a existir à medida que se mergulha nessa realidade. É mais do que se informar. É conhecer. Compreender. Inteirar-se.
Nesse sentido, a função da obra de arte – poesia, artes visuais, dança, etc. – não seria a de levar o espectador/receptor a uma conclusão previamente determinada, mas a de abrir-lhe possibilidades subjetivas de ação. Parte dessa questão, aliás, passa pelo entendimento do que é realidade e de sua tradução, através de linguagens, para diferentes mídias: jornal, tv, rádio, exposições, apresentação de espetáculos, livros, etc.
Decodificação de linguagem – Uma comparação entre dois filmes de cinema pode servir de exemplo para pensar esse tema de interpretação de linguagens. O primeiro é o filme Fahrenheit 9/11 (2004), de Michael Moore. O segundo é Easy Rider (1969), com Peter Fonda, Dennis Hopper e participação de Jack Nicholson.
No documentário de Moore, a família Bush e a família Bin Laden têm interesses em comum e George Bush sabe que haverá um atentado terrorista contra seu país. Além de não tentar detê-lo, ainda usa o fato para tirar proveito próprio e enganar a opinião pública. O filme é direto e não deixa margens a interpretações: Bush é culpado e ponto.
É certo que não há, propriamente, invenção, distorção ou mesmo mentira no filme de Moore, mas ele é conclusivo, fechado às interpretações, partidário.
Já em Easy Rider, que mostra a aventura de dois jovens andando de moto no sul dos Estados Unidos, em 1969, e que são assassinados pelos caipiras dos lugares aonde passam, a forma de mostrar a violência, ou, a forma de narrar o drama não toma partido por nenhum dos lados. Peter Fonda declara que, à época, quando o filme passou naqueles lugares aonde a ação se desenrola, que os caipiras aplaudiam quando os mocinhos eram assassinados. Que gostaram do filme pelo avesso do humanismo que era mostrado. Ao optar por não levar nenhuma lição moral ou mensagem – por mais construtiva que fosse – no filme, mas, simplesmente mostrar os fatos, o filme dá ao espectador a chance de revelar sua própria visão de mundo, sem se tornar um instrumento de julgamento moral ou ético.
Análise de dados – A leitura do real, segundo a hermenêutica, depende da crença nos Deuses e em verdades absolutas. Quando isso ocorre, são os dogmas que ditam as regras sociais, políticas, culturais e comportamentais. E, muitas vezes, alguém, ou algum grupo, usando dessa lógica para tomar ou se manter no poder. E isso pode ser necessário, mas às vezes é perigoso demais mexer com fios descascados. E a lâmpada que ao final se acende nem sempre é aquela conectada à tomada de eletrecidade.
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