terça-feira, março 28, 2006

Liberdade de expressão















Foto de Robert Mapplethorpe (1946 – 1989)



“Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós.”
Do Hino da proclamação da República

Direito à liberdade
Para um pais que viveu ditaduras – Vargas e Militar, pelo menos – ter assegurado direitos de liberdade de expressão, já é um grande passo: pensar e agir não mais são crimes, seja político, moral ou religioso, principalmente.
A desordem gera o caos, a entropia. A ordem gera a harmonia, ensina o Zen.
Mas entre o direito à livre expressão e a expressão livre, muitas camadas de opiniões ainda recobrem o ponto até aonde pode ir a liberdade de cada um. A máxima diz que a liberdade de um não pode ameaçar a liberdade do outro. E, também, que, liberdade exige compromisso, responsabilidade. Mas não seria isso uma contradição? O fato é que ninguém pode matar outro, em nome de seu direito de liberdade. Ou proclamar a ditadura, na Democracia. Ou desmerecer a cultura e a religião alheia, por intolerância.

Interpretações

Trotski, em seu manifesto de 1938, escrito no México, junto com André Breton, intitulado “Por uma Arte Revolucionária Independente”, diz que ao artista cabe o anarquismo, mas que toda sua produção deve estar voltada para o novo homem que surge da situação revolucionária. Seria o caso de se perguntar se, ao justificar o conceito de liberdade, é permitido, seja dentro de qual regime for, dizer ao artista que seu trabalho exclua, ao menos, uma ou outra possibilidade, porque isso poderia se transformar em uma espécie de manual de conduta, um cerceamento da criatividade. E toda a liberdade – mais do que do artista, do cidadão – estariam comprometidas.
Mas é de se pensar, também, que temos a obrigação de conservar a liberdade em nossas mãos, para que não nos seja imposto um modo de vida com o qual não concordamos.

Liberdade de direito
Muitas vezes esse discernimento não é tão simples assim. Foi preciso a Companhia de Tratamento de Água de uma cidade da França intervir em um trabalho de “arte”, quando um sujeito quis expor o vazamento de água de uma torneira, ralo abaixo, como obra de arte, durante o mês que sua exposição estava marcada. Quando entrevistado, o “artista” disse que seu trabalho era para chamar atenção para o desperdício de água no mundo. Um contra-senso!
Nesse sentido, é até interessante uma lei, na Europa, em que a propaganda de símbolos nazistas é proibida. Recentemente um antigo servidor do regime de Hitler foi julgado, por ter dito, tempos atrás, que o holocausto não tinha sido um crime. Acostumados a falar o que quiser, estranhamos o fato de que, na evoluída Europa, possa haver alguma espécie de censura. Mas o trauma da Segunda Guerra deixou a Europa apavorada. Sem contar que o sujeito processado, em questão, faz palestras, até hoje, para a juventude de extrema-direita onde quer que o chamem. Tem mais. Para quem pensa que o nazi/fascismo foi enterrado, a saudação nazista que os jogadores do time do Lazio, na Itália, fazem aos seus torcedores, não deixa dúvidas de sua existência. E, como todos sabem, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.
Aquilo que caberia ao artista revolucionário, de Trotsky, foi condenado na Alemanha, do Terceiro Reich, como Arte Degenerada. E muitos Klees, Picassos, e artistas do Expressionismo e do Dadaísmo foram banidos, presos ou jogados em uma câmara de gás, em nome de uma Arte Clássica, ou, Realista, como no caso da Rússia, nas mãos de Stalin, à época.

Democracia e Liberdade
Nos Estados Unidos, considerado a grande Democracia Mundial, muitos artistas tiveram que se calar, por seus trabalhos, dado a intolerância moral e comportamental de seus cidadãos. Em 1989, a obra de Andrés Serrano, artista nova-iorquino, “Piss Christ”, foi censurada, tendo à frente a campanha da “American Family Association”, porque o artista colocou um crucifixo de metal dentro de um recipiente com urina e fotografou a cena. Filmes como “Eu vos saúdo, Maria”, de Jean-Luc Godard, ou “A última tentação de Cristo”, do diretor Martin Scorsese, também foram vítimas de perseguição. E as fotos do artista Robert Mappletorphe – que depois de morto foi homenageado com várias retrospectivas – foram consideradas imorais à época, na década de 80, por mostrar fotos de situações homo-eróticas.
Desde o Romantismo, pelo menos, com a democratização da arte, gerada pela Revolução Francesa, os artistas vivem o paradoxo de, por um lado, ter a defesa da liberdade como princípio e, por outro, ter que prestar contas, seja ao mercado, seja ao Estado. E muito do que pode ser ou não mostrado, escrito, divulgado, ainda depende da conciliação de interesses, cuja Liberdade nem sempre é mantida conduzindo o povo, como no famoso quadro de 1830, de Eugène Delacroix.