quarta-feira, dezembro 21, 2005










Escultura de Henri Moore, em que os espaços vazios significam tanto quanto a forma aparente


O sentido sentido



“Se eu quisesse fazer sentido eu entrava para o exército”
Carlos Zago

Um carro passa, iluminando o asfalto de verde e sua presença se desfaz no instante seguinte. Rastros que se apagam imediatamente depois de sua aparição.
Sombras evoluem pelo espaço até pintar uma superfície qualquer, como uma parede, levitando no ar, em uma dança que revela sua ausência material. O negativo se revela pelo contrário do que aparenta, o vazio pelas bordas do objeto que o compreende. “O silêncio é o começo do papo”.
Pode-se explicar tudo, mas a explicação é somente uma parte da linguagem. Há outras, principalmente porque o discurso verbal é de ordem lógica e há percepções que não precisam de explicação para existir, mas convivemos com elas cotidianamente, como a intuição, o acaso, as sensações advindas do inconsciente e outras, pertencentes às chamadas ciências ocultas, ao universo da arte, etc. Mas a palavra na poesia foge a essa classificação, porque o discurso poético não pertence simplesmente à ordem lógica do raciocínio linear, ele é trans-verbal, está além do texto, além da simples informação e da comunicação como forma de conhecimento. Uma de suas materializações se dá, justamente, pelo uso de metáforas e formas que, ao falar de algo, podem dizer sobre várias outras coisas, também, simultaneamente.
E entre aquilo que nos escapa e aquilo que capturamos, está o tempo. Segundo a teoria da relatividade, podemos retornar ao passado, mas não nos adiantar ao futuro. Podemos até recuperar alguma memória ancestral, mas para predizer o futuro, como um profeta, só tateando as bordas escuras do desconhecido.
Não é à toa que é Tirésias, um cego, quem anuncia a tragédia que irá se desenrolar a partir do nascimento do filho do rei de Tebas, Édipo. Só um cego pelo vão das horas, por onde o tempo escoa.
As revelações, muitas vezes, surgem muito mais por aquilo que não é dito, do que pelo que é confessado. Escondendo ou tentando esconder algo, somos levados a sondar indícios e a fazer relações entre as coisas e seu significado, como ler sombras ou na aparição passageira de um carro sobre o asfalto. Somos tentados a “ler” o entorno do vazio, a descobrir a frase que ficou por dizer a partir daquilo que nos foge.
Voltando para a teoria da relatividade e avançando no caminho da subjetividade, para além da ordem racional e determinista, podemos pensar em um tempo “retardado”, mas não em um tempo “adiantado”, a não ser quando o assunto é da ordem da poética, ou a “suspensão” do tempo cronologicamente marcado, quando entramos em êxtase ou embarcamos em algum transe religioso ou quando esse êxtase é causado por alucinógenos. Aí tudo é sentido, até o sem sentido. E a noção de tempo e espaço se amplifica ou encolhe, como no livro “Alice no país das maravilhas”, do outro lado do espelho.
O tempo só é impossível mesmo parado. E assim mesmo, pode ser “congelado”, fotografado, condensado em uma imagem, em um poema, em um hai ku, em que tempo e ação se abrem em imagens que muito “dizem”, sinteticamente, em quantidade mínima de palavras. “O silêncio é grávido de sons”.
Pensar em que depois disso? Há coisas que não precisam de explicação, atravessam nossos sentidos e tudo o que persiste é apenas uma sensação que logo se evapora para que outra e mais outra sucedam enquanto um carro atravessa o asfalto, a sombra dança, o cabelo cresce, uma árvore dá frutos, etc. sem ter que explicar porque existem e, como tudo, passam.