“Star Gazing”, de 2004. Obra do artista alemão Hans Haacke: forte conteúdo crítico e político
Arte e política
Rubens Pileggi Sá
Um chavão: “a arte não muda a realidade. Quem muda a realidade são os homens. A arte muda os homens”. Embora fosse adorável que a arte mudasse a realidade social e econômica, acabasse com as injustiças e eliminasse a miséria, qualquer artista que se pretender a isso fará de seu trabalho uma sopa rala e sua pessoa cairá no ridículo de uma delirante utopia.
Duchamp nunca se meteu em política. O trabalho dele colaborou, de certa forma, a pensarmos diferente sobre qual era o assunto da arte. Abriu olhos e mentes para uma questão que, até então, ninguém havia elaborado. O que dizer de da Vinci, então? Projetava armas de guerra a qual governo lhe pagasse a sobrevivência, ao mesmo tempo em que é um dos grandes expoentes do espírito humanista de sua época. Nunca parou para fazer “arte para os pobres”, que eu saiba. Mas, a partir de artistas como da Vinci e Duchamp (para não falar em centenas, talvez milhares de outros) o mundo nunca mais foi o mesmo. Ou melhor, nunca mais foi visto do mesmo modo. Ou, pensado.
Não que tenha melhorado, sejamos realistas, mas ai daquele incapaz de se deixar tocar pela estética, daquele que for insensível à beleza. Daquele que é indiferente à existência do arco-íris (e saber que o mundo está cheio deles!). “Eles passarão/ eu passarinho”, já disse o poeta Quintana.
Aliás, sobre movimentos artísticos que se queiram ideológicos, devemos ao Futurismo italiano do começo do século passado – a Marinetti e sua turma – muitas das inovações no campo da arte. Mesmo que esse movimento fosse de cunho nitidamente fascista. Também o poeta Ezra Pound foi seduzido pela magia do “duce” Mussolini. E o filósofo alemão Martin Heidegger foi elevado ao posto de reitor em uma universidade, à época da ascensão do nazismo. E o artista Beuys serviu ao exército alemão na Segunda Guerra.
Mas seria um canalha aquele que não visse na obra desses homens o que de mais profundo pode brotar da consciência humana, ainda que tenham feito escolhas políticas completamente equivocadas para quem as analisa hoje, à distância.
É preciso que se diga que foram pessoas de “esquerda” – como os poetas concretistas – que viram o que havia de revolucionário na obra desses artistas de “direita”: era a linguagem que usavam em seus trabalhos. Inovações no campo estético que, aparentemente, não serviam (e não servem) para uso político. Mas isso determinou uma mudança tão radical de sentido, que é preciso considerar tal fato antes de jogarmos todos à fogueira da inquisição por não terem sido “politicamente corretos”.
Quando o assunto é arte e política, a polêmica se instaura, mas – quer queira ou não – a própria atividade artística é revolucionária, em si. Não há nada mais perigoso do que alguém que é livre!
E para o artista que deseja realizar qualquer obra que tenha consistência, é preciso, em primeiro lugar, se desapegar de rótulos, tendências da moda, ou engajamento militante, porque essas coisas engessam a consciência e os dogmas impedem os questionamentos, quando as verdades estão cristalizadas. O que não impede ninguém de ter crenças políticas. Lutar por causas claramente justas, etc.
Arte e política deveriam formar um par ideal, mas a tendência desse casamento é se tornar problemático demais para dar certo, principalmente quando a causa é partidária ou classista. A arte, ao tentar ser direcionada, torna-se chata, fraca, “denuncista”, linear. E a política vai querer manipular a arte. E a arte não serve para cumprir essa função.
Arte política é não só possível, como necessária. Mas é bom ter sempre em mente uma bela (!) frase atribuída a Buda: “minha doutrina é para pessoas inteligentes”. O resto, ou é lavagem cerebral ou é panfletagem, tentativa de se aparecer, ainda que seja por justa causa. Melhor, no caso, ouvir Belchior: “enquanto houver espaço/ tempo/ e algum modo de dizer não/ eu canto”.
pileggisa@hotmail.com
Rubens Pileggi Sá
Um chavão: “a arte não muda a realidade. Quem muda a realidade são os homens. A arte muda os homens”. Embora fosse adorável que a arte mudasse a realidade social e econômica, acabasse com as injustiças e eliminasse a miséria, qualquer artista que se pretender a isso fará de seu trabalho uma sopa rala e sua pessoa cairá no ridículo de uma delirante utopia.
Duchamp nunca se meteu em política. O trabalho dele colaborou, de certa forma, a pensarmos diferente sobre qual era o assunto da arte. Abriu olhos e mentes para uma questão que, até então, ninguém havia elaborado. O que dizer de da Vinci, então? Projetava armas de guerra a qual governo lhe pagasse a sobrevivência, ao mesmo tempo em que é um dos grandes expoentes do espírito humanista de sua época. Nunca parou para fazer “arte para os pobres”, que eu saiba. Mas, a partir de artistas como da Vinci e Duchamp (para não falar em centenas, talvez milhares de outros) o mundo nunca mais foi o mesmo. Ou melhor, nunca mais foi visto do mesmo modo. Ou, pensado.
Não que tenha melhorado, sejamos realistas, mas ai daquele incapaz de se deixar tocar pela estética, daquele que for insensível à beleza. Daquele que é indiferente à existência do arco-íris (e saber que o mundo está cheio deles!). “Eles passarão/ eu passarinho”, já disse o poeta Quintana.
Aliás, sobre movimentos artísticos que se queiram ideológicos, devemos ao Futurismo italiano do começo do século passado – a Marinetti e sua turma – muitas das inovações no campo da arte. Mesmo que esse movimento fosse de cunho nitidamente fascista. Também o poeta Ezra Pound foi seduzido pela magia do “duce” Mussolini. E o filósofo alemão Martin Heidegger foi elevado ao posto de reitor em uma universidade, à época da ascensão do nazismo. E o artista Beuys serviu ao exército alemão na Segunda Guerra.
Mas seria um canalha aquele que não visse na obra desses homens o que de mais profundo pode brotar da consciência humana, ainda que tenham feito escolhas políticas completamente equivocadas para quem as analisa hoje, à distância.
É preciso que se diga que foram pessoas de “esquerda” – como os poetas concretistas – que viram o que havia de revolucionário na obra desses artistas de “direita”: era a linguagem que usavam em seus trabalhos. Inovações no campo estético que, aparentemente, não serviam (e não servem) para uso político. Mas isso determinou uma mudança tão radical de sentido, que é preciso considerar tal fato antes de jogarmos todos à fogueira da inquisição por não terem sido “politicamente corretos”.
Quando o assunto é arte e política, a polêmica se instaura, mas – quer queira ou não – a própria atividade artística é revolucionária, em si. Não há nada mais perigoso do que alguém que é livre!
E para o artista que deseja realizar qualquer obra que tenha consistência, é preciso, em primeiro lugar, se desapegar de rótulos, tendências da moda, ou engajamento militante, porque essas coisas engessam a consciência e os dogmas impedem os questionamentos, quando as verdades estão cristalizadas. O que não impede ninguém de ter crenças políticas. Lutar por causas claramente justas, etc.
Arte e política deveriam formar um par ideal, mas a tendência desse casamento é se tornar problemático demais para dar certo, principalmente quando a causa é partidária ou classista. A arte, ao tentar ser direcionada, torna-se chata, fraca, “denuncista”, linear. E a política vai querer manipular a arte. E a arte não serve para cumprir essa função.
Arte política é não só possível, como necessária. Mas é bom ter sempre em mente uma bela (!) frase atribuída a Buda: “minha doutrina é para pessoas inteligentes”. O resto, ou é lavagem cerebral ou é panfletagem, tentativa de se aparecer, ainda que seja por justa causa. Melhor, no caso, ouvir Belchior: “enquanto houver espaço/ tempo/ e algum modo de dizer não/ eu canto”.
pileggisa@hotmail.com
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