quarta-feira, setembro 06, 2006

Arte da conversa




















Ilustração captada da internet, de fonte desconhecida.


Pra começo de conversa –
Isso é arte? Se há uma pergunta mais delicada do que difícil de responder, é essa. Não porque se saiba ou não sua resposta, em profundidade histórica, ou sociológica, ou filosófica. Ou porque dependa do contexto à qual ela é aplicada. Mas porque ela está tão intimamente ligada a uma questão de gosto e juízo, ao mesmo tempo, que, dependendo do interlocutor, corre-se o risco de perder o amigo.
Porque a primeira formulação de alguém que se arrisca a fazer esse tipo de pergunta e ver-se contrariado nas suas crenças é a de desmerecer a razão, baseado em algum sentimento que aquilo proporciona à pessoa. E, normalmente, vem com o seguinte subtítulo: “eu não entendo de arte”. Logo, se aquilo é ou não é arte, pouco importa a ela. Importante, sim, é o que ela gosta. E não se discute mais isso. “Friozinho hoje, não?”
Mas, uma vez começado o assunto, porque cortá-lo assim, só porque não houve acordo sobre algo ser ou não arte. Não é mesmo? Tentar reintroduzir a questão de uma maneira mais ou menos sutil, pode surtir efeitos: “Falar em frio, hoje está bom para um vinho, você não concorda?”. “É uma idéia!”, o outro responde.
Admitindo que esse diálogo seja entre duas pessoas que conhecem um pouco sobre vinho, essa é a senha para voltar a se falar do juízo de gosto. “Pois é! Saber apreciar a arte é como saber apreciar um vinho. Você pode gostar de um vinho adocicado enquanto não souber apreciar o sabor de um vinho seco, que pode parecer amargo, mas cujo sabor é resultado do aroma da fruta, tempo de maturação da bebida, etc.”. E aquela ilustração publicitária, motivo do início da conversa, acaba servindo, pelo menos, para se pensar em alguma potência a mais que a arte poderia ter, além de ser bonita. Ou, doce, se fosse o vinho dessa conversa.

Um pouco de conteúdo –
No livro, “O abc da literatura”, o poeta Ezra Pound faz uma hierarquia de valores para os escritores, colocando os “inventores” no topo da cadeia criativa da arte, até chegar aos “beletristas”, que seriam os escritores sem talento que copiam à perfeição aquilo que pelos outros foi inventado e que pela história foi consagrado.
O filósofo Walter Benjamin, coloca que o que alterou a visão sobre a arte foi o “desenvolvimento das técnicas de reprodução”, pois a arte passa ter uma “aura” como produto cultural. Pensando particularmente no cinema, Benjamin vê um lado positivo nessa arte feita para as massas, que poderia veicular idéias sociais e ideológicas.
Já o filósofo alemão Theodor Adorno coloca que esse tipo de arte é apenas um barateamento que a “indústria cultural” impõe às massas, tornando as pessoas incapazes de ouvirem, por exemplo, um repertório musical mais sofisticado do que aquele veiculado pelas mídias.


Vamos esclarecer –
Mas o que isso tem a ver com a conversa dos amigos lá de cima? Talvez seja melhor tentar esclarecer o que quer dizer a palavra arte, antes de continuar nosso assunto.
Sua origem vem do sânscrito, e quer dizer “capacidade de dominar a matéria”. Em grego a palavra arte é teknée (de mesmo radical semântico teknoma - filho e teknosis - parto). Óbvio que teknée se transformou na idéia que temos de técnica, hoje. O que poderia dar razão a quem não entende de arte. Algo bem realizado deveria ser, então, técnica. Mas não basta para se definir o que é arte.
Na acepção latina arte é ars e é kunst para os germânicos. Para eles, estas palavras também davam idéia de perícia, mas estavam voltadas para um fim, que podia ser ético, estético ou utilitário. O que torna a definição sobre arte mais complexa.
Até o Renascimento, de fato, o que se entendia por arte era a repetição de formas mais ou menos parecidas, copiadas de iluminaras, ou aprendidas nas "Guildas" - que eram as oficinas de artesanato da idade média - e que nem autoria tinha. E arte mesmo era a música, ou a lógica, mas a pintura, por exemplo, só veio a ganhar esse "status" com Leonardo da Vinci, que disse que "la pittura é una cosa mentale".
Arte, mais ou menos como se pensa hoje em dia, só existir a partir de 1863, com a recusa do trabalho de Manet (o almoço na relva) no Salão Oficial de Arte de Paris. Agora a arte passa a agregar valores estratégicos, que antes não eram considerados. Ela pode ser uma denúncia, mas também pode vir a ser o contrário daquilo que o artista pensa estar denunciando. E se transformar em uma mercadoria qualquer. Utilizada para a manipulação de poder.

Fim de papo –
“Em suma”, tenta resumir o teórico de arte e conhecedor de vinho, diante de seu amigo estarrecido, que só queria mostrar um quadro que ganhou, para pendurar na parede: “uma coisa era lá, à época, quando os artistas criavam essas imagens, baseados em uma filosofia de vida, quando estavam ligados a um movimento artístico que tinha uma visão de mundo para propor”. E continua: “outra coisa é aparecer tais imagens que a gente nem sabe de onde veio, cheias de açúcar no vinho que eu nem ainda tomei”. E propõe: “vamos buscar um vinho para brindar?”. “Só se for para conversar sobre futebol”, diz o outro. Os dois riem.