sexta-feira, dezembro 15, 2006

(Sobre)Viver junto na Bienal


Igual na diferença
A idéia para o tema da 27ª edição da Bienal Internacional de São Paulo deste ano, "Como viver junto", veio de seminários realizados pelo filósofo francês Roland Barthes, entre 1976 e 1977. sobre "a vida em comunidades, em que os membros vivam em companhia e liberdade, como os budistas do Tibete". A partir dai, a curadora Lisete Lagnado vem trabalhando essa idéia que se desdobrou não apenas na mostra em cartaz no Parque Ibirapuera - até 17 de dezembro, domingo - como também em palestras realizadas ao longo do ano; produção de trabalhos que ocupam outros espaços da cidade; vivências, deslocamentos e viagens de artistas; bem como na realização de catálogos e livros, buscando levar essa questão o mais longe possível.
Diferença na igualdade
Viver junto é uma arte, mas o que se vê, logo depois da rampa de acesso ao primeiro andar do prédio, é um vídeo de um gato devorando um rato, na rua, como uma contra-imagem da possibilidade de compartilhamento existencial. Uma ilustração disso ocorreu pouco antes da montagem da mostra. A recusa do artista Cildo Meireles em participar do evento por causa de um banqueiro envolvido em corrupção que fazia parte da diretoria da Fundação Bienal, até aquele momento. Cildo não voltou atrás e seu trabalho acabou sendo o de não particiar do evento. Em todo caso, a pertinência do tema da Bienal é a da possibilidade de se levantar perguntas de como se viver juntos, sem uma economia solidária, sem distribuição de riquezas, sem iguadade de oportunidades e direitos. Esse é o cerne da questão.

+ ou - iguais
Uma das críticas possíveis à Bienal é a de que não foram chamados os coletivos nacionais de artistas, que desde os anos 90, pelo menos, se articulam buscando formas alternativas de sobrevivência, construção e visibilidade de seus trabalhos. Ninguém melhor que eles para mostrar como se dá a ocupação comum de espaços. A opção da curadoria, no entanto, foi a de privilegiar poéticas individuais, em espaços delimitados - tal como nas edições anteriores - transformando o tema em um slogan publicitário que pode ser entendido, também, como "alguma coisa nós temos em comum", ou "feito para você", sendo que o "você", no caso, são as milhões de pessoas que vivem fechadas "cada um na sua".

Desiguais
Além disso, há um excesso de trabalhos panfletários e diretos demais sobre política, mas internacionais e não brasileiros, como se não fôssems vitimados pelas mesmas questões de exploração, como na África, por exemplo. A falta de legendas em português e de informações mais detalhadas sobre obras e artistas tornam essa distância ainda maior. Vemos uma Ong da Argentina confeccionando capas de livros com papelão, mas se não entendermos que aquilo nasceu da crise recente naquele país, não compreenderemos o que quer dizer, de fato, aquele trabalho. Ou uma sala coberta com cartazes de protesto, mas como estão em outra lingua e pertecem a outro contexto, não nos envolvem.

Somatória final
Vale lembrar, no entanto, que o próprio Marcel Broodthaers - sobre o qual gira o conceito da Bienal - faz de seu trabalho uma tomada crítica à instituição, onde o papel do artista, do curador e do museu são colocados em suspensão, o que demonstra coragem da curadoria em expor sua visão de arte - e de uma mostra de arte - sob a pergunta feita a todos, que trata de "como viver junto?"