quinta-feira, junho 22, 2006

A CARAVANA


GUERREIROS DO ARCO-ÍRIS:
POÉTICA , POLÍTICA E ESPIRITUALIDADE

quarta-feira, junho 21, 2006

O sonho (não) acabou

“Você pode dizer que sou um sonhador/ mas não sou o único não/ e espero que um dia você se junte a nós/ e o mundo será uma coisa só”.
John Lennon


Horrorizado diante dos crimes cometidos pelos nazistas, o filósofo Theodor Adorno sentenciou que não podia mais haver poesia depois de Auschwitz. Mas um outro filósofo rebateu que depois de Auschwitz, a vida somente era possível através da poesia. Do mesmo modo, a célebre frase de John Lennon, que disse que “o sonho acabou”, após a dissolução dos Beatles, foi interpretada pelo poeta Gary Snyder como possibilidade de evoluir para além do sonho, naquilo que os movimentos dos anos sessenta propunham.

De fato, um clima de “baixo astral” dava razão aos mais céticos e cínicos, de que o sonho havia acabado. E acabado mal. Para isso contribuíram as mortes de Janis Joplin e Jimmy Hendrix, dois ícones da geração “paz & amor”. Crimes sexuais forma apontados como praticados por ativistas de esquerda. Um jovem negro foi assassinado em pleno show dos Rolling Stones. E a ditadura de mercado cantou vitória sobre a utopia daqueles jovens sonhadores.
Muitos voltaram para casa. Tornaram-se yuppies. Renegaram o sonho. “Coisa da juventude”, vovó tentou contemporizar. “Agora ele arruma um emprego”, disse o velho.

Nem todos abandonaram a utopia. Poucos resistiram. E partiram para a ação. Semana passada e retrasada passou por Londrina a “Caravana do arco-íris”. Motivo de curiosidades, seus membros deram entrevistas, realizaram palestras, cursos, participaram de eventos de outros grupos e deixaram a cidade. Um total de 20 nômades, em quatro caminhões, falando de tribalismo, ecovilas, experiências xamânicas, alimentação natural, antropologia andina, permacultura, cura holística, histórias ancestrais, etc. Assuntos que fazem rir quem parou de sonhar.

Mais vivo do que nunca, um dos “filhos da bomba atômica”, o “homem do mundo”, Alberto Ruiz Buenfil, que é o organizador da Caravana, na idade de seus 61 anos, esforça-se para passar 40 anos da experiência que tem, em pouco mais de 5 horas que ficamos juntos.
Meu interesse é artístico. Não quero saber de misticismo. E ele me diz que não praticam misticismo, mas espiritualidade. Vou direto ao ponto. Quero saber sobre arte e política e o que é desenvolvido pela Caravana, neste sentido. Dou mais uma dica para sugestão de conversa. Falo no Situacionismo dos anos 60. E então um portal se abre nos olhos do “guerreiro do arco-íris”. Ele não só sabe do que estou falando, mas diz que pertenceu à Segunda Internacional Situacionista, em 1971, fundada por Asger Jorn (1914-1973) e o irmão dele. E que foi dali em diante que ele iniciou a prática do nomadismo. A fim de criar uma cultura que fosse tribal e global, ao mesmo tempo. Que saiu da Suécia, voltou para o México, foi para Cuba, fundou comunidades e, desde 1996, estava com a Caravana, atravessando desde o Alaska até a Terra do Fogo, na Argentina. Fazendo reuniões com comunidades indígenas, desenvolvendo eventos de cura e regeneração da terra e tudo aquilo que a contra-cultura e a geração hippie sonhou um dia. Convida-me para entrar no ônibus/biblioteca e mostra seus vários livros. Alguns de sua autoria. Sobre anarquismo, situacionismo, xamanismo e, claro, tudo aquilo que o movimento hippie sonhou um dia. E ele, na prática ainda hoje realiza.
Os demais membros da Caravana vão, cada um, cuidar de suas atividades. Depois nos chamam. Dizem que estamos atrasados e precisamos partir. O sonho acabou. É preciso agir!

terça-feira, junho 20, 2006

666 continuação

O Demônio é acreditar em Deus, mas torcendo pelo apocalipse, o fim do mundo, o dia do juízo final, porque o crente convertido poderá chegar aos céus. O Capeta é a apologia da ignorância, que ignora sutilezas. O 666 é o fracassado usando Deus para se esconder da concretude da luta contra as injustiças terrenas. O Diabo é o pai do rock.

terça-feira, junho 06, 2006

666


Painel central de “O jardim das delícias terrenas” (1505-1510). Pintura de Hieronymous Bosch











“lúcifer, senhor dos caminhos! iluminai nossas veredas. desencadeai a ígnea tempestade para que o mais humano entre os deuses, o mais santo entre os mortais, possa de novo caminhar à luz do dia, com seu chifre, cetro e rabo. lúcifer! lúcifer! imperai!
Lúcifer, do livro Letra Elétrika (1994), do poeta Chacal

Diz-se por aí que 666 é o número da Besta. Lembro-me de um filme que raspavam a cabeça de uma criança e o número estava escondido lá, o mesmo número de que fala a Revelação do livro Apocalipse, da Bíblia: a marca do anticristo, do demônio, do Mal em si.
Ontem foi o dia 06 de junho de 2006, ou 6/6/6, para simplificar. 666. E se o apocalipse ainda não começou depois desse dia, quem sabe vale pensar um pouco sobre a significação do Diabo com a história e sua influência na arte, quando o próprio rock é convertido em manifestação de oração em igrejas evangélicas. Como se a gente não soubesse que “o Diabo é o pai do rock”.

Dias desse ouvi de um pai-de-santo da cidade, que ele se sente injustiçado com o capeta, porque esse é “tão macho” lá na sua tenda, exigindo sacrifícios disso e daquilo e quando ele é incorporado em uma igreja evangélica vira – como disse ele – “uma franga”, sendo rechaçado por qualquer pastorzinho que aparece pela frente.
Será que o diabo foi domesticado? Fidel Castro, em uma entrevista para uma revista de esquerda, dos Estados Unidos, a Select, disse “que quando lhe dão o título de diabo, você, então, se torna muito mais poderoso do que é de verdade, porque se torna indestrutível”. “Todos te respeitam”, completa o homem forte de Cuba.

O filósofo tcheco-brasileiro Vilém Flusser, em seu livro “A história do diabo” faz uma colocação sobre o diabo bastante pertinente, quando diz que “o diabo é o princípio conservador da matéria”, enquanto o criador está ligado à intemporalidade e à dissolução do ser, para salvá-lo. Ou seja, o diabo seria o princípio palpável, material, concreto, enquanto Deus, ou o princípio divino estaria ligado à pureza e à unidade no Ser. E destaca que o diabo tem um dever, que é o de manter a “temporalidade”.

A invenção do diabo, a loucura e a criação artística possuem em comum o fato de desconfiarem da razão e da lucidez, e sempre questionarem a noção de Deus à respeito do que é ou não é a verdade. Antonin Artaud, um homem do teatro da primeira metade do século passado, em um texto intitulado “Vida e morte de Satã, o fogo”, escreveu que a Renascença ao invés de ser uma evolução da humanidade, era uma diminuição, porque tentou domesticar a loucura e compartimentalizá-la dentro da razão, dizendo que “a realidade tinha suas leis, sobre-humanas talvez, mas naturais”. Reivindicava que o ser humano tinha perdido a visceralidade em seus atos. E Artaud queria transformar sua arte na própria vida.

Como disse uma vez a “louca” Jardelina da Silva, “o diabo não é má pessoa. Ele só é besteirento”. Ou um artista perigoso que se faz de criminoso, criando suas próprias leis para poder infringi-las, como nos revela Gustavo Bernardo, no texto “O diabo irônico”.
O fato é que depois que o Dr. Freud liberou o inconsciente do claustro das esferas demoníacas, falar do diabo e fazer “coisas do Diabo” passou a ser uma das possibilidades de se pensar a neurose e a loucura em nosso tempo. Não mais com a repressão dos instintos que habitavam a imaginação da época dos que pintaram a loucura como possessão do demônio – tais como Hieronymous Bosch (1450 - 1516) e Pieter Brueghel (1525 - 1569) – mas como forma de pensá-la em nossa realidade, dentro de cada um de nós. Como pregava o movimento Surrealista, do qual Artaud fez parte.