domingo, dezembro 17, 2006

Bienal vale pelas mostras individuais


Rubens Pileggi Sá

Históricos contemporâneos

Se, em seu conjunto, a 27ª Bienal de Arte de São Paulo possui lacunas que tornam o tema da mostra apenas um compartimento para separar arquivos que – aparentemente – dizem respeito ao "como viver junto" proposto, por outro lado, a própria impossibilidade dessa catalogação é o que torna interessante a visitação deste ano. As particularidades são maiores do que a soma o conjunto exposto, como um todo.
Só para ficar no terceiro andar do Pavilhão projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer para abrigar as Bienais, no Parque Ibirapuera, temos três artistas contemporâneos que já são parte da história da arte. São eles: Marcel Broodthaers (1924-1926), Gordon Matta-Clark (1943-1978) e Ana Mendieta (1948-1985).
Broodthaers é considerado um artista "pós-midiático", segundo a teórica, curadora, professora e crítica de arte Rosalind Krauss. Ou seja, sua obra se propõe a discutir as fronteiras entre arte e não-arte; entre o papel do curador, do autor e do colecionador de arte. Ao criar um Museu para expor em museus, o artista transforma a arte em uma questão de commodities – como se ela fosse um produto genérico – ao mesmo tempo em que se torna um preservador de objetos em extinção. Sua coleção de imagens de águias, que é um símbolo dos E.U.A., é o melhor exemplo disso. Tal apropriação de imagens embaralha a noção entre o que é original e o que é falso. Entre o que é ilusão e o que é realidade. Entre o que é único e o que é múltiplo.
Já em Matta-Clark – cuja obra é apresentada em objetos, imagens fotográficas e registros em vídeo – o que salta, de imediato, é a capacidade que o artista teve em se envolver com temas sociais e comportamentais dos anos 70, sem perder a atualidade. Além de uma poética contundente, seu engajamento político e humor tornam sua obra uma das mais profícuas da arte contemporânea. Dentre as obras expostas estão o hilário carrinho de respirar ar fresco, um muro de cimento e materiais reciclados e vários registros de obras e performances.
De Ana Mendieta – que tem nos rituais do corpo seu tema de trabalho – podemos apreciar várias de suas performances, registradas em vídeo e em fotografia, em que ela cava na terra, ou desenha com flores na água seu próprio contorno em situações em que a paisagem faz parte da relação com suas performances. No vazio do corpo cabem cores, fogo, perda de referências, de memória, etc.
Realidade e inteligência plástica
Além desses "históricos contemporâneos" que já valem a visita à exposição, as fotos do sul africano Pieter Hugo e as inteligentes e divertidas charadas "low-tech" que nos propõem a dupla portuguesa João Gusmão + Pedro Paiva, são alguns dos pontos altos da mostra.
No caso do sul africano, as fotos retratam cenas cotidianas de africanos em várias situações. Todas elas parecem deslocadas da realidade, embora sejam reais demais. São grupos de pessoas bizarras que se deixam fotografar; magistrados negros com perucas de tribunal que parecem não lhes pertencer e; artistas itinerantes que usam hienas e macacos babuínos em coleiras em suas aprsentações, no meio de paisagens devastadas pela exploração de diamantes e minérios.
A dupla portuguesa por sua vez, investiga o princípio da formação da imagem através de jogos em que texto e imagem fazem parte de uma narrativa onde a "baixa tecnologia" está a serviço de idéias que incluem postulados filosóficos e conceitos matemáticos. A partir de um feixe de luz projetado sobre um objeto qualquer, dentro de uma caixa preta, podem surgir as mais surpreendentes metáforas. Há, por exemplo, uma forma oval iluminada, projetada dentro de um ovo de avestruz, através de uma lupa, que sintetiza a natureza plástica de investigação da dupla.
Há, também, três projetores de filme 16mm passando várias cenas. O que chama a atenção, além do que é projetado na tela, em si, é que o próprio barulho do projetor – parecendo uma carroça, se comparada aos modernos vídeos – e a textura da imagem fazem parte do discurso visual, na obra. Na tela, podemos ver um homem tentando criar uma "Torre de Colombo", colocando um ovo, de pé, sobre outro, como se fosse uma coluna infinita da arte moderna. Ou um "Caçador de enguias", cuja imagem, passada de trás para diante, dá a impressão de bravura do homem que pega, com as mãos, em uma corredeira, uma enorme enguia. Há mais. Com duas tomadas de câmera, uma invertida e outra correta, atores "mudam" o eixo da terra. E, também, um duelo entre dois atores, diante de uma câmera fixa, de costas um para o outro, contando passos, até saírem de cena. Neste momento, o cenário, que é uma pedreira, explode.
Mais roteiros

Se você ainda não foi â Bienal, ou se ainda quiser ir novamente, recomendo, ainda, prestar atenção às obras de Dan Grahan e Dominique Gonzalez-Foerster. Talvez o tema da Bienal não lhe pareça tão evidente, mas, certamente, a visita às obras desses artistas lhe trará uma boa dose de prazer.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

(Sobre)Viver junto na Bienal


Igual na diferença
A idéia para o tema da 27ª edição da Bienal Internacional de São Paulo deste ano, "Como viver junto", veio de seminários realizados pelo filósofo francês Roland Barthes, entre 1976 e 1977. sobre "a vida em comunidades, em que os membros vivam em companhia e liberdade, como os budistas do Tibete". A partir dai, a curadora Lisete Lagnado vem trabalhando essa idéia que se desdobrou não apenas na mostra em cartaz no Parque Ibirapuera - até 17 de dezembro, domingo - como também em palestras realizadas ao longo do ano; produção de trabalhos que ocupam outros espaços da cidade; vivências, deslocamentos e viagens de artistas; bem como na realização de catálogos e livros, buscando levar essa questão o mais longe possível.
Diferença na igualdade
Viver junto é uma arte, mas o que se vê, logo depois da rampa de acesso ao primeiro andar do prédio, é um vídeo de um gato devorando um rato, na rua, como uma contra-imagem da possibilidade de compartilhamento existencial. Uma ilustração disso ocorreu pouco antes da montagem da mostra. A recusa do artista Cildo Meireles em participar do evento por causa de um banqueiro envolvido em corrupção que fazia parte da diretoria da Fundação Bienal, até aquele momento. Cildo não voltou atrás e seu trabalho acabou sendo o de não particiar do evento. Em todo caso, a pertinência do tema da Bienal é a da possibilidade de se levantar perguntas de como se viver juntos, sem uma economia solidária, sem distribuição de riquezas, sem iguadade de oportunidades e direitos. Esse é o cerne da questão.

+ ou - iguais
Uma das críticas possíveis à Bienal é a de que não foram chamados os coletivos nacionais de artistas, que desde os anos 90, pelo menos, se articulam buscando formas alternativas de sobrevivência, construção e visibilidade de seus trabalhos. Ninguém melhor que eles para mostrar como se dá a ocupação comum de espaços. A opção da curadoria, no entanto, foi a de privilegiar poéticas individuais, em espaços delimitados - tal como nas edições anteriores - transformando o tema em um slogan publicitário que pode ser entendido, também, como "alguma coisa nós temos em comum", ou "feito para você", sendo que o "você", no caso, são as milhões de pessoas que vivem fechadas "cada um na sua".

Desiguais
Além disso, há um excesso de trabalhos panfletários e diretos demais sobre política, mas internacionais e não brasileiros, como se não fôssems vitimados pelas mesmas questões de exploração, como na África, por exemplo. A falta de legendas em português e de informações mais detalhadas sobre obras e artistas tornam essa distância ainda maior. Vemos uma Ong da Argentina confeccionando capas de livros com papelão, mas se não entendermos que aquilo nasceu da crise recente naquele país, não compreenderemos o que quer dizer, de fato, aquele trabalho. Ou uma sala coberta com cartazes de protesto, mas como estão em outra lingua e pertecem a outro contexto, não nos envolvem.

Somatória final
Vale lembrar, no entanto, que o próprio Marcel Broodthaers - sobre o qual gira o conceito da Bienal - faz de seu trabalho uma tomada crítica à instituição, onde o papel do artista, do curador e do museu são colocados em suspensão, o que demonstra coragem da curadoria em expor sua visão de arte - e de uma mostra de arte - sob a pergunta feita a todos, que trata de "como viver junto?"

terça-feira, dezembro 12, 2006

Coluna de Colombo



da dupla portuguesa Pedro Paiva + José Gusmão