Bienal vale pelas mostras individuais
Rubens Pileggi Sá
Históricos contemporâneos
Se, em seu conjunto, a 27ª Bienal de Arte de São Paulo possui lacunas que tornam o tema da mostra apenas um compartimento para separar arquivos que – aparentemente – dizem respeito ao "como viver junto" proposto, por outro lado, a própria impossibilidade dessa catalogação é o que torna interessante a visitação deste ano. As particularidades são maiores do que a soma o conjunto exposto, como um todo.
Só para ficar no terceiro andar do Pavilhão projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer para abrigar as Bienais, no Parque Ibirapuera, temos três artistas contemporâneos que já são parte da história da arte. São eles: Marcel Broodthaers (1924-1926), Gordon Matta-Clark (1943-1978) e Ana Mendieta (1948-1985).
Broodthaers é considerado um artista "pós-midiático", segundo a teórica, curadora, professora e crítica de arte Rosalind Krauss. Ou seja, sua obra se propõe a discutir as fronteiras entre arte e não-arte; entre o papel do curador, do autor e do colecionador de arte. Ao criar um Museu para expor em museus, o artista transforma a arte em uma questão de commodities – como se ela fosse um produto genérico – ao mesmo tempo em que se torna um preservador de objetos em extinção. Sua coleção de imagens de águias, que é um símbolo dos E.U.A., é o melhor exemplo disso. Tal apropriação de imagens embaralha a noção entre o que é original e o que é falso. Entre o que é ilusão e o que é realidade. Entre o que é único e o que é múltiplo.
Já em Matta-Clark – cuja obra é apresentada em objetos, imagens fotográficas e registros em vídeo – o que salta, de imediato, é a capacidade que o artista teve em se envolver com temas sociais e comportamentais dos anos 70, sem perder a atualidade. Além de uma poética contundente, seu engajamento político e humor tornam sua obra uma das mais profícuas da arte contemporânea. Dentre as obras expostas estão o hilário carrinho de respirar ar fresco, um muro de cimento e materiais reciclados e vários registros de obras e performances.
De Ana Mendieta – que tem nos rituais do corpo seu tema de trabalho – podemos apreciar várias de suas performances, registradas em vídeo e em fotografia, em que ela cava na terra, ou desenha com flores na água seu próprio contorno em situações em que a paisagem faz parte da relação com suas performances. No vazio do corpo cabem cores, fogo, perda de referências, de memória, etc.
Realidade e inteligência plástica
Além desses "históricos contemporâneos" que já valem a visita à exposição, as fotos do sul africano Pieter Hugo e as inteligentes e divertidas charadas "low-tech" que nos propõem a dupla portuguesa João Gusmão + Pedro Paiva, são alguns dos pontos altos da mostra.
No caso do sul africano, as fotos retratam cenas cotidianas de africanos em várias situações. Todas elas parecem deslocadas da realidade, embora sejam reais demais. São grupos de pessoas bizarras que se deixam fotografar; magistrados negros com perucas de tribunal que parecem não lhes pertencer e; artistas itinerantes que usam hienas e macacos babuínos em coleiras em suas aprsentações, no meio de paisagens devastadas pela exploração de diamantes e minérios.
A dupla portuguesa por sua vez, investiga o princípio da formação da imagem através de jogos em que texto e imagem fazem parte de uma narrativa onde a "baixa tecnologia" está a serviço de idéias que incluem postulados filosóficos e conceitos matemáticos. A partir de um feixe de luz projetado sobre um objeto qualquer, dentro de uma caixa preta, podem surgir as mais surpreendentes metáforas. Há, por exemplo, uma forma oval iluminada, projetada dentro de um ovo de avestruz, através de uma lupa, que sintetiza a natureza plástica de investigação da dupla.
Há, também, três projetores de filme 16mm passando várias cenas. O que chama a atenção, além do que é projetado na tela, em si, é que o próprio barulho do projetor – parecendo uma carroça, se comparada aos modernos vídeos – e a textura da imagem fazem parte do discurso visual, na obra. Na tela, podemos ver um homem tentando criar uma "Torre de Colombo", colocando um ovo, de pé, sobre outro, como se fosse uma coluna infinita da arte moderna. Ou um "Caçador de enguias", cuja imagem, passada de trás para diante, dá a impressão de bravura do homem que pega, com as mãos, em uma corredeira, uma enorme enguia. Há mais. Com duas tomadas de câmera, uma invertida e outra correta, atores "mudam" o eixo da terra. E, também, um duelo entre dois atores, diante de uma câmera fixa, de costas um para o outro, contando passos, até saírem de cena. Neste momento, o cenário, que é uma pedreira, explode.
Mais roteiros
Se você ainda não foi â Bienal, ou se ainda quiser ir novamente, recomendo, ainda, prestar atenção às obras de Dan Grahan e Dominique Gonzalez-Foerster. Talvez o tema da Bienal não lhe pareça tão evidente, mas, certamente, a visita às obras desses artistas lhe trará uma boa dose de prazer.
Se você ainda não foi â Bienal, ou se ainda quiser ir novamente, recomendo, ainda, prestar atenção às obras de Dan Grahan e Dominique Gonzalez-Foerster. Talvez o tema da Bienal não lhe pareça tão evidente, mas, certamente, a visita às obras desses artistas lhe trará uma boa dose de prazer.