Todo mundo é artista
O símbolo Ying/Yang, originário do Tao chinês, representa a união de forças contrárias, geradoras do movimento.
Todo mundo é artista
“Eu tô te explicando pra te confundir/ Eu tô te confundindo pra te esclarecer”
Tom Zé, na música “Tô”
Seja qual for a profissão da pessoa, se ela faz bem seu trabalho, é considerada um artista naquilo que faz. Sendo assim, os artistas podem assumir que o que fazem seja outra coisa, como revolução, medicina, sociologia ou matemática, certo? E entre artistas e não artistas não se encontram mais diferenças e distinções categóricas, desde que cada um saiba que o que faz tenha qualidades para ser chamado de arte. Qualidade, aqui, como consciência de um ato.
Outro ponto importante é que nos últimos 50 anos os artistas têm investido na participação do público como parte do processo de trabalho que passaram a fazer, valendo – como fórmula de um trabalho de arte que “funcionasse” – sua capacidade de interação com as pessoas. Público e obra só existem na medida em que se relacionam. A obra passa a existir, de fato, se for tocada, usada, vestida. Em última instância, não é isso o que faz um produto ser consumível, também? Portanto, ao descer do pedestal, ao perder sua moldura, não só a idéia de arte se modifica, mas também as coisas comuns tornam-se outras. Uma chave para abrir porta pode ser tão “arte” quanto uma chave capaz de acessar experiências subjetivas, como desejos, sonhos e idéias. Lembremos que “uma rosa é uma rosa, é uma rosa, é uma rosa”, mas não esqueçamos o que escreveu o pintor Magritte debaixo do desenho que fez de um cachimbo: “isto não é um cachimbo”. Podemos dizer que algo é aquilo que parece ser, de fato, mas, podemos dizer que algo é aquilo que pensamos que possa ser. Nada é, em absoluto, sem o filtro da interpretação, do símbolo, enfim.
O conceito de obra também não permanece estanque em forma de objeto, coisa materializada. Pode ser apenas uma idéia, um texto, por exemplo. Pode se dar no tempo, por etapas construídas por uma série de acasos, situações e processos inimagináveis e inumeráveis. Praticamente qualquer ato da vida pode se tornar arte, visto sob este ângulo. E aí a realidade não é só aquilo que vemos e fazemos, mas é, também, o que deixamos de fazer e o que não vemos. Não só o que ocorre na superfície da observação reagindo a nossos atos imediatos interessa, mas também o que permanece na esfera do obscuro, que nos usa para agir. Em pintura e escultura clássica aprendemos que a harmonia entre luz e sombra são o que definem o volume. Ou seja, as energias estão em oposição umas às outras, ao mesmo tempo em que a dinâmica entre elas cria o movimento da vida. Como no princípio de dualidade do Ying e Yang, que tem origem no Tao.
Levando em consideração que, hoje, a obra de um artista pode ser ele próprio – o artista enquanto arte – e que todos podem ser artistas, também, então, o ideal seria dizer que podemos viver em um “estado de arte” permanente, onde tudo e todos tenham essa potencialidade pronta para ser manifestada.
Para a física quântica, a observação muda o objeto observado. Sendo assim, devemos pensar que as relações não se dão mais em termos de sujeito e objeto, mas de trocas constantes entre meios distintos, onde o real e o sensível são partes indissociáveis de uma visão de mundo único para todos.
Desse modo, a arte torna-se um agente de transformações e conexões em que o social, o ambiental e o comportamental são levados em consideração. Transbordando além de suas fronteiras específicas, já que não atua mais como um jogo de formas dispostas em uma superfície determinada, como palco para suas ações. A arte ganha a rua, ganha os espaços públicos, amplia o circuito em que se move. Cria meios de difusão além do mero objeto, ou de seu registro, infiltrando-se na vida.
A chave para cada um se tornar artista é a compreensão de que aquilo que faz está inserido não só no ato em si, mas repercute na própria dimensão dos sonhos, dos desejos e das fantasia, que são tão reais quanto o que acreditamos ser a realidade.
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