domingo, setembro 28, 2008

O sonho (não) acabou




http://www.lacaravana.org/

“Você pode dizer que sou um sonhador/ mas não sou o único não/ e espero que um dia você se junte a nós/ e o mundo será uma coisa só”.
John Lennon

The dream is over
Horrorizado diante dos crimes cometidos pelos nazistas, o filósofo Theodor Adorno sentenciou que não podia mais haver poesia depois de Auschwitz. Mas um outro filósofo rebateu que, depois de Auschwitz, a vida somente era possível através da poesia. Do mesmo modo, a célebre frase de John Lennon, dizendo que “o sonho acabou”, após a dissolução dos Beatles, foi interpretada pelo poeta Gary Snyder como possibilidade de evoluir para além do sonho, naquilo que os movimentos dos anos sessenta/setenta propunham.

De fato, um clima de “baixo astral” dava razão aos mais céticos e cínicos, o sonho havia acabado. E acabado mal. Para isso contribuíram as mortes de Janis Joplin e Jimmy Hendrix, dois ícones da geração “paz & amor”. Crimes sexuais foram apontados como praticados por ativistas de esquerda. Um jovem negro foi assassinado em pleno show dos Rolling Stones. E a ditadura de mercado cantou vitória sobre a utopia daqueles jovens sonhadores.
Muitos voltaram para casa. Tornaram-se yuppies. Renegaram o sonho. “Coisa da juventude”, vovó tentou contemporizar. “Agora ele arruma um emprego”, disse o velho.


Homem do mundo
Nem todos abandonaram a utopia. Poucos resistiram. E partiram para a ação. Semana passada e retrasada (este texto foi escrito em 2006) passou por Londrina a “Caravana do arco-íris”. Motivo de curiosidades, seus membros deram entrevistas, realizaram palestras, cursos, participaram de eventos de outros grupos e deixaram a cidade. Um total de 20 nômades, em quatro caminhões, falando de tribalismo, ecovilas, experiências xamânicas, alimentação natural, antropologia andina, permacultura, cura holística, histórias ancestrais, etc. Assuntos que fazem rir quem parou de sonhar. Chacota de medíocres medianos midiatizados pela globo e pela veja.

Mais vivo do que nunca, um dos “filhos da bomba atômica”, o “homem do mundo”, Alberto Ruiz Buenfil, que é o organizador da Caravana, no alto de seus 61 anos, esforça-se para passar 40 anos da experiência que tem sobre lutas estudantes, organização de coletivos, anarquismo e arte, em pouco mais de 5 horas que ficamos juntos.

Começo a conversa desconfiado de papo místico. Meu interesse é artístico. Ele me diz que não praticam misticismo, mas espiritualidade. Vou direto ao ponto. Quero saber sobre arte e política e o que é desenvolvido pela Caravana, neste sentido. Dou mais uma dica para sugestão da conversa. Falo no Situacionismo dos anos 60. E então um portal se abre nos olhos do “guerreiro do arco-íris”. Ele não só sabe do que estou falando, mas diz que pertenceu à Segunda Internacional Situacionista, em 1971, fundada por Asger Jorn (1914-1973) e seu irmão Jorgen Nash. E que foi dali em diante que ele iniciou a prática do nomadismo, nutrido pela idéia de criar uma cultura que fosse tribal e global, ao mesmo tempo. Mais, de uma cultura que fosse do corpo e do espírito. Um corpo que faz de sua casa o mundo. E do mundo o lugar do seu corpo.


Uma história para contar
Nascido no México, teve que fugir de lá quando, lider estudantil, a barra pesou. E pesou pesado no México, talvez mais do que no Brasil, até. Foi para a Suécia atrás de perspectivas possí8veis para o tempo que vivia, voltou para o México, foi para Cuba, fundou comunidades e, desde 1996, está com a Caravana, atravessando desde o Alaska até a Terra do Fogo, na Argentina. Faz reuniões com comunidades indígenas, desenvolve eventos de cura e regeneração da terra e tudo aquilo que a contra-cultura e a geração hippie sonhou um dia.

Convida-me para entrar no ônibus/biblioteca e mostra seus vários livros. Alguns de sua autoria. Sobre anarquismo, situacionismo, xamanismo, flower power e, pô, esse cara é fóda, velho! Acabo ficando com um livro sobre a Caravana onde, no prefácio, é contada a história e o exemplo de seu pai, um antropólogo que descobriu templos aztecas que estavam soterrados, no México. Fala, também, do significado do arco-iris como elemento sagrado de várias culturas arquétipicas; traça a história do tribalismo desde 1930 e; fala de algumas profecias indígenas.

Também levo debaixo do braço um vídeo do encontro da Caravana do Arco-iris pela Paz, intitulado "O chamado do Condor", que me arrepia ao final, toda vez que assisto, porque, de fato, a ave sobrevoa a cabeça de todos, enquanto estão encerrando o encontro com pagés e xamãs, no vale em meio às montanhas irmãos de Machu Pichu.

Os demais membros da Caravana vão, cada um, cuidar de suas atividades, hóspedes na casa/centro cultural do Marcelinho, meu professor de capoeira de angola . Depois nos chamam. Dizem que estão atrasados e precisam partir. O sonho acabou. É preciso agir!